segunda-feira, 2 de janeiro de 2012

Irmandade de Sangue e A Marca do Lobo

CAPÍTULO UM
A GUERRA DE SNÓRQUIA

Numa sociedade pacata e bem simples, existia uma característica bem marcante para uma era antiga, mas honrada. As pessoas, como sempre, dividiam-se entre ricos e pobres. As classes dominantes atacavam os outros povos com uma força extremamente sombria.
O povo clamava pela paz, enquanto dos mais belos tronos os reis cobiçavam territórios férteis. A sociedade tinha medo de comentar sobre os vampiros. Para os humanos, em geral, poderiam ser uma lenda, mas num país escondido entre a Terra Média, eles existiam; lá, os vampiros realmente não eram lenda. Mas agora se muda a aparência de um vampiro. Como se as pessoas descobrissem um novo lado de um ser que vive de sangue. O bem e o mal; o anjo e o demônio; Deus e o Diabo. Existiam raças estranhas naquela região: existiam vampiros.
Berfil, assim era chamado o país que tinha em mãos o comando de um vampiro com o nome de Morfeu. A cidade de Magnór era acolhedora de vampiros. Seus moradores viviam tranquilamente, antes que o demônio Caos criasse três poderosas Esferas. “Esferas para dominar o mundo e imortalizar aquele que conseguisse juntá-las”. Mas houve uma grande guerra e duas das Esferas foram roubadas. Estranhamente elas foram parar nas mãos da mulher de Morfeu, a rainha Helena. Depois de uma conversa com ela, o rei disse que quando tivesse filhos iria presenteá-los com as Esferas. Mas eis que isso caíra na boca de Caos, rei das enfermidades. Depois desse dia Morfeu estava correndo perigo se Helena parisse do ventre um filho.
Caos vai atacar em breve, pois soubera que Helena teve dois filhos, em poucos meses. Caos governava Snórquia, terra dos mortos, onde sua crueldade prevaleceu sempre intacta. Era hora mais certa para o demônio atacar e recuperar o que era seu.

Num vento frio e nebuloso há quilômetros e milhas de Berfil, encontrava-se Magnór, era uma tarde cinza e o jardim esverdeado, era iluminado redondamente pelo sol; as águas estavam tomando formas sombrias e as flores tomavam fortes sopros do vento. O jardim brilhava e em sua frente materializava-se um leito pequeno. O ar se dissipara lentamente tomando conta do gramado. O céu brilhava e como um cobertor azul, pairava sobre o leito.
O sol radiante que assomava sobre as flores mais claras do jardim, moveu-se para uma sombra no leito. O ruído de água foi ouvido e nas ondas altas do rio, algo pesado passou boiando por entre as ondulações. A água cristalina manchou-se de vermelho. A coisa que boiava no rio, então se mostrou à luz do sol. Era um corpo de um vampiro, revestido em armadura e metais de bronze. Ele usava um elmo de prata e repousava sobre as mãos uma comprida espada de aço.
A couraça de bronze estava estilhaçada e ao peito uma flecha pontuda e grande, rompia seu coração; jazia no leito, um corpo esfiapado de flechas e uma capa que se enfunava de água. O corpo já apodrecia e ao seu lado boiava um pedaço de pergaminho. Um filete de sangue escorria das mãos do soldado e um pergaminho flutuava lentamente. Era um espião de Morfeu que vinha das montanhas mais escuras de Snórquia, trazendo um recado – um recado que iria mudar toda a história do povo de Berfil: suas raças estavam comprometidas pelo pior de todos os males que Magnór já vira.
Entre o mundo de nações, entre o mundo de maldições sempre existia o bem e o mal. Mas Morfeu não era um rei cruel. Pois de sua bondosa família via-se cenas de bondade quase sempre. Aquele recado era um alerta de morte. Magnór poderia virar o leito de morte de seus próprios filhos. As horas passaram-se diante da imagem do espião assassinado e abandonado na margem do Rio Monge. Ali, então, ele se decompôs como se estivesse passado muito tempo boiando. De súbito, houve um barulho estranho perto do leito. Um ruído de cascos retumbou na região e uma tropa de cavaleiros apareceu numa estrada próxima ao rio. Os soldados pareciam exaustos, mas quando sentiram um cheiro estranho, resolveram parar para dar uma olhada. Um odor ruim espalhou-se entre a tropa. Os cavaleiros puxaram suas capas, tiraram os elmos de bronze e desceram dos cavalos brancos. Deixaram as selas, os estribos e correram exaustos para o rio. Um deles mergulhou no rio e resgatou o corpo morto. Trouxe-o para a terra e examinou-o. Era um corpo de um vampiro velho. Na face branca havia um elmo estranho e pontudo, mas ele segurava um pergaminho sujo e encardido nas mãos. O cavaleiro tomou o pergaminho molhado entre os dedos e ofegou:
– Está morto... Morto... O espião de Sua Majestade está... Simplesmente... Morto...
O líder vasculhou o corpo do espião e retirou as flechas com cuidado. Dos seus olhos pingaram leves lágrimas e crispando a comprida espada do cavaleiro morto, lamentou-se. Resolveram levar o corpo para os cavalos. Deixaram-no numa sela e guardaram a espada numa bolsa grande. Puxaram as rédeas e os cavalos pisotearam o gramado limpo. “Os bebês vampiros mais poderosos de toda terra tinham nascido, cobertos pelo amor de toda Magnór e saídos do ventre de Helena Gambon, rainha de Magnór.”
Todos diziam que eles eram filhos de Morfeu, o pouco poderoso dos vampiros. Morfeu, o rei de Magnór, não tinha percebido o que acontecia em seu castelo. Depois que os soldados carregaram o corpo para um penhasco crepúsculo, a tropa descansou nas encostas do castelo e discutiram no desalento, o destino do corpo. Rastejaram-no para o grande Portão e molhando o piso gélido do Salão, reverenciaram profundamente o rei. Morfeu, o feiticeiro, ergueu a cabeça, do trono dourado, viu-se um rosto limpo e os poucos cabelos brancos e sua cabeça foram penteados pelo vento. Uma barba bonita erguia-se do queixo e nas mãos segurava um cajado de ouro. Como traje, usava um manto branco. Morfeu oscilou a cabeça, preocupado e hesitou. Lambeu os beiços e abaixou a cabeça na esperança de ouvir uma notícia boa.
(O que o povo de Berfil não sabia, era que o vampiro, o espião, trazia uma informação desconhecida). Os soldados posicionaram o corpo numa cadeira desmantelada e retiraram as couraças. Mas um dos cavaleiros – o mais baixo deles -, fez uma profunda reverência e falou:
– Vossa Majestade! Achamos o corpo do espião que o senhor enviou para descobrir algo em Snórquia. Ele trazia uma informação escrita com pena de águia. Num pergaminho. Eu lamento meu senhor...
O soldado se levantou, suspirou e pegou ao lado do corpo o pequeno pergaminho molhado, entregando-o para Morfeu. O rei desdobrou o pergaminho sujo e o abriu, sua face se contorceu. As linhas pálidas de seu rosto ficaram vermelhas. Abriu a boca e dela escapou um gemido. Estava enfurecido e esmagou as letras no pergaminho apagadas pela água. Um suor de preocupação desceu-lhe da testa e imediatamente disse:
– A água apagou! – sua coroa cintilou e ele jogou o pergaminho no chão voltando para o trono enfurecido. O soldado à frente apanhou o pergaminho do chão e cabisbaixo, voltou ao bando. – Era uma informação. O espião descobriu algo muito importante e escreveu nesse pergaminho, mas se apagou!
– Mestre, nos perdoe, nos perdoe. Chegamos tarde demais para buscá-lo. – murmurou o soldado, soluçando ao lançar-se de joelhos no chão. Os olhos espremidos nas órbitas choraram e abaixando a cabeça, ele beijou a mão do rei.
– Que lástima! Que droga! – vociferou Morfeu erguendo os dedos longos e peludos para frente. – Reúnam os membros da Comitiva! O QUE ESTAM ESPERANDO! – os soldados se agacharam fazendo outra reverência diante do rei. Um deles beijou-lhe a mão e com um gemido de choro, balbuciou:
– Nós descobrimos que essa informação era muito importante e alarmante. Essa informação vai nos custar, talvez a própria vida. O cavalo dele foi morto antes de chegar aqui. – o soldado pigarreou e continuou a contar. – Ele conseguiu fugir até chegar ao castelo, mas depois foi perseguido e morreu! Foi lançado no rio, entalado de flechas e flechas com desenhos de um dragão negro.
O soldado cabisbaixo oscilou para os lados e sentiu-se muito preocupado, pois sua mente fervilhava muito. A testa suava e seus joelhos formigavam-se no chão.
– Desconfio de alguém. – ofegou Morfeu impaciente. – Esse desenho não me é estranho.
– Poderia ser uma informação sobre Caos! – supôs o soldado à direita do rei curvando-se muito para reverenciá-lo.
– Não diga o nome dele! Não acho que seja ele. – bocejou Morfeu estendendo a mão para levantar o cavaleiro. – Não seria um alerta de guerra. – ele coçou os olhos e enrugou a testa. Ergueu o bastão para os pés, oscilou a cabeça e suspirou, inspirando o ar como se quisesse cessar o medo da mente.
– Seria... Por motivos de terras? – indagou o soldado, hesitando a questão que lhe intrigava muitas vezes.
– Não sei – disse Morfeu, franzindo a barba grisalha -, mas logo, logo saberemos de um jeito ou de outro.
– Vossa Majestade! – chamou o soldado maior de todos que aparentava estar triste. – O senhor não vai tomar providências?
– Retirem-se! – exclamou Morfeu nervoso para os soldados corpulentos. Pelas letras que foram apagadas pela água, o povo de Berfil estava em perigo, pois não sabiam o que informava aquele recado.
O espião havia escrito no recado algo muito importante para Morfeu, mas o rei não tomara conhecimento – ele sabia que os bebês de Magnór tinham nascido. Caos odiava o povo Berfilânico e passou a odiar ainda mais quando soube dos bebês misteriosos. Então, quando o imperador ouviu falar dos bebês que iriam nascer ele resolveu atacar. O espião ouviu o dia que seria esse ataque e escreveu no pergaminho que foi apagado. Lá estava escrito que Caos iria invadir a cidade e resolveria aniquilar todas as crianças recém-nascidas. Mas Morfeu não sabia do recado e estaria indefeso se houvesse um ataque.
Ninguém sabia, mas, a Senhora Helena havia batizado os nomes dos bebês como Montruín Gambon Turneham e Hendalf Gambon Turneham, nomes que seriam falados futuramente por toda região de Berfil. O Mestre da cidade das trevas, Caos, resolvera dar três dias de trégua. Mas ninguém sabia.
Passaram-se três dias e o rei de Snórquia não havia aparecido para iniciar a invasão na cidade. Depois de quatro horas algo acontecia fora das muralhas da fortaleza. Anoiteceu e a lua ergueu-se no horizonte como uma esfera prata gigante. Um vento frio assomava das montanhas escuras e um estranho movimento nas terras de Berfil vinha das encostas velhas. Algo acontecia...

...O rei de Snórquia se avistava galopando velozmente. Uma tropa de escravos e homens que batiam seus tambores, marchavam, assomando sobre as montanhas; atrás vinham os arqueiros e lá no fundo os arautos gritavam: – Estamos avistando as muralhas! – Caos, o demônio das fortalezas vinha em seu cavalo negro carregando sua espada cinzenta que brilhava numa luz ofuscante. O demônio cuja face era ocultada por um elmo e uma coroa negra; vestia uma malha de prata e uma capa preta; na coroa estendia-se dois chifres. Suas botas flamejantes escorregavam nos estribos e a figura desceu da sela com um salto estrondoso.
A coroa deslizou sobre o ar e a máscara negra que a prendia virou-se para o castelo de Magnór. As muralhas pareceram recuar e ao aceno do rei de Snórquia, as cornetas soaram. O manto virou-se para o grande Portão da cidadela e Morfeu surgiu quando as correntes junto à porta bateram ao solo.
Sua face limpa e seus cabelos grisalhos apareceram em cima de um pônei branco e alguns de seus soldados acompanharam-no. Uma cavalaria pequena seguiu-o com desconfiança.
Mas uma bela mulher assustada olhava para o rei; seus cabelos eram sedosos e vestia um manto azul. A cidadela parecia fervilhar e em cima das escadas de mármore, alguns cavaleiros dormiam.
Morfeu seguiu pasmo e quando a coroa negra ergueu-se, ele disse:
– O que devo a visita de um rei, aqui na cidadela? – suas mãos às rédeas do pônei branco, tremiam.
– Não somos inimigos – a voz demoníaca ecoou do elmo e Caos apertou a bainha com um ar frio. Suas luvas metálicas latejaram no cabo da espada e ele continuou: – Ninguém poderia invadir suas muralhas, seu exército está bem formado.
– Se engana Caos. Meus homens estão desorientados, faz anos que não há batalhas sufocantes. Estamos em paz e o nascimento dos meus filhos vem com muita alegria! – Morfeu recuou e novamente tornou a perguntar. – Mas o que um rei dos mortos faria aqui?
– Eu quero presentear sua cidadela com uma escultura de madeira, selando a paz entre nossos povos. – A coroa metálica virou-se para trás. – Um dragão vermelho, símbolo de seu país!
E das dunas de uma areia seca um grande dragão de madeira deslizou às mãos de quatro escravos. Em seguida, ergueram-se mais quatro dragões.
– Eu agradeço a atenção, mas presentes não são bem-vindos aqui! – respondeu Morfeu e seus cavaleiros retornaram para as muralhas. – Não são bem vindos em meu reino! Mataram um cavaleiro, um de meus homens que trouxe um pergaminho molhado e ilegível, desde então, não aceito nada, nada de ninguém.
Os escravos posicionaram-se nas muralhas e continuaram puxando os dragões de madeira. A figura empilhada de aço ergueu-se sobre Morfeu, assomando sobre ele. As botas tombaram na areia e a coroa acenou para os escravos.
– Um presente – disse Caos. – apenas um presente para unirmos nossas forças a favor da paz!
Mas Morfeu suspirou profundamente e foi lentamente dizendo:
– Sinto-me muito envergonhado, mas não!
Ele voltou-se, mas a figura sombria, pareceu exausto.
– Os vivos estão querendo um pouco de paz! – a coroa de aço, escondia o rosto macilento, mas havia um olhar mortal: O Senhor dos Mortos riu. A paz transformou-se em desespero e a vitória em morte. Os chifres reluziram ao vento e inesperadamente ele empunhou a espada. – Foi tolice sua nos receber essa noite, Morfeu. Antes do amanhecer eu estarei longe e você morto!
Morfeu virou-se e a figura assomou sobre seu corpo, golpeando sua perna. O manto rompeu-se e a malha mostrou-se ausente.
– Mas o quê? – ele caiu, mas três de seus cavaleiros defenderam-lhe. –  Mas por quê?
– Cale-se tolo! – bradou Caos e quando sua armadura bateu no corpo trêmulo de um dos cavaleiros, rispidamente ele decepou-lhe a cabeça. – Helena roubou as Esferas de mim e por isso vai pagar!
O corpo sem pescoço caiu sobre sua bota e desmantelou-se sobre os cavaleiros.
– Vamos testar seu exército desorientado! – a figura negra ergueu a espada e mais exércitos escancaram-se; da madeira, surgiu uma porta. Delinqüentes feitos formigas, goblins apressados, pularam dos dragões de madeira.
E marchando em legiões cercaram as muralhas. Desmontaram os dragões e o barulho das manivelas foi ouvido por um momento. As catapultas formaram-se e o entrechoque das armaduras caiu contra as muralhas.
– Matem todos! – vociferou Caos.
No início as criaturas nojentas e narigudas riram. Pois as muralhas da cidade estavam desprotegidas, então os esverdeados monstros não perderam tempo.
As máquinas se disfarçavam em dragões de madeira. Ao comando do demônio as catapultas foram montadas em meio a muitos gritos e rangidos de manivelas. Depois de montadas elas lançaram projéteis a uma altura impressionante, de modo que subissem nos ares e explodissem nas muralhas.
Os exércitos se aglomeravam e atrás deles erguiam-se torres móveis e verdadeiramente uma tropa bem armada avançava sobre Magnór.
Morfeu esporeou o pônei indefeso e ordenou que acordassem os cavaleiros. Desorientado, o exército de Morfeu que mal tinha armas suficientes para derrotar o Inimigo, falhava. Desmantelados recuaram para as muralhas e fecharam o Portão.
Ele foi pego de surpresa e a informação que deveria alertá-lo e fazê-lo um vampiro enriquecido de exército, foi apagada. O homem que morreu desmoronou as forças do rei. Ele foi pego covardemente e por quem? Os exércitos tomavam conta da cidadela.
– As Esferas vão retornar para seu verdadeiro dono – a voz fria de Caos ecoou sobre as catapultas e as torres móveis. Uma legião de exércitos penetrou-se na cidade e aos buracos arrombados, vários deles dominavam-na. – Matem os bebês, eu os quero mortos. Achem as Esferas!
À porta da cidadela, Morfeu bufou. Seus homens rapidamente cercaram o Portão, uns montados em cavalos, outros a pé. A voz do feiticeiro saiu com coragem:
– Marchem para as torres de cima! Montem catapultas! Escutem: Ninguém conseguirá entrar aqui, enquanto estivermos vivos! – alisou o pônei e tomou fôlego.
Um bando de cavaleiros sumiu nas escadas escuras da cidadela e outros carregando um armamento mais reforçado, posicionaram-se no Portão.
– Protejam minha mulher! – pediu Morfeu ofegante. – Protejam meus filhos. Vão pelos fundos, não deixem que a mate! Depois digam o nome deles para mim, por favor!
Uma tropa sumiu nas escadarias do castelo levando uma boa quantidade de espadas e escudos de prata. Mas o medo parecia ser o maior inimigo dos cavaleiros de Morfeu.
Aqueles que ficavam diante do Portão, erguiam suas espadas para frente, na esperança de vencer o medo. Morfeu então bufou de raiva. – Não temam essas criaturas malditas! – gritou ele, encorajando os cavaleiros.
Então o Portão retumbou em murros, pontapés e trombadas. Rosnados assustadores foram ouvidos atrás da madeira. Os homens ergueram suas espadas e respiraram profundamente, enquanto o Portão era arrebentado, pelos Goblins. O carvalho parecia ceder aos murros. Houve mais trombadas e lampejos de espadas foi ouvido. A madeira foi ferida como se fosse um animal de caça. Presas e mais presas rangiam sobre os cavaleiros de Morfeu. A tropa estava tensa, temendo o que poderia surgir daquele barulho dos infernos; os ouvidos doíam naquele momento, pois aqueles rosnados estranhos os feriam. Botas esmagavam o chão e flechas zuniram ao vento. Morfeu ergueu a cabeça e sacou uma espada que cegou um de seus cavaleiros. As linhas de sua face estavam fragmentadas de pura coragem.
As torres mais altas estavam rompidas. Os cavaleiros montaram três catapultas e chamaram os arqueiros para mantê-los com vantagem. O barulho era infernal e quando conseguiram montá-las, lançaram três enormes projéteis contra os exércitos – há quase vinte metros de distância.
As pedras rochosas tomaram uma velocidade impressionante, esmagando os pequenos goblins que marchavam para dominar as muralhas. Houve gritos e rugidos, mas os exércitos de Caos vinham de todas as partes; vinham prontos e carregavam uma força descomunal.
Flechas zuniram, espadas golpearam o ferro e as muralhas ainda estavam firmes ao flanco. Mas no Portão a testa de Morfeu suava. A espada ao punho tremia e quando fechou os olhos por um momento, houve um estampido. Um talho de madeira riscou seus cabelos como uma rajada de vento. Um goblin enfiara a lâmina no carvalho. Então, no reflexo de sua espada, Morfeu abriu os olhos. Uma luz que vinha de uma tocha feriu seus olhos. Um grito soou da criatura que segurava a tocha e então do rombo do Portão, um arqueiro baixo riu diante dos cabelos do rei. Morfeu ergueu o corpo no cavalo e suspirou profundamente. Apertou o punho da espada e endireitou seu corpo na sela. O rosto transpirava e toda escuridão da guerra caiu sobre ele naquele momento. Levantou a espada e olhou na brecha do Portão lascado. O goblin era tão baixo que suas pernas quase tombavam no chão. O rosto era semelhante à de um duende, mas o nariz era muito pontudo. Morfeu ergueu o peito e esticou o punho da espada. Sem mais e sem menos enfiou a lâmina na brecha da porta. Houve um grito. A criatura caiu para trás arrastando mais três goblins. Um sangue roxo espalhou-se no Portão de carvalho e Morfeu ajeitou os estribos para atacar. Recuou com precisão e o pônei relinchou sobre a madeira. Os cavaleiros ergueram as espadas. As couraças tombaram no carvalho e o entrechoque das armaduras, por um momento, assustou os goblins entalados no Portão. Morfeu ergueu a espada manchada de sangue de Goblin e gritou como um leão:
– Olhem para isso! Não temam esse som que vem de trás do Portão! Levantem as couraças! Apertem os elmos e matem essas criaturas, pois vocês são filhos de Magnór! Defendam o nosso recinto como dragões!
Os cavaleiros bateram as lanças nos escudos e se amontoaram diante do Portão. Não temiam mais a escuridão. Os elmos empertigaram-se em cada uma das cabeças e houve um suspiro de coragem. Um vento brando que soprava com força, perpassou por Morfeu, no instante em que a coragem crescia em seu peito. Os gritos dos goblins eram como se fosse o rugido de dragões ou de trombetas altas; feras que pareciam rugir destinados a decepar cabeças e beber sangue. Morfeu assomou para o Portão que balançava no ferro da parede. Sentiu o bafo das criaturas exalarem em sua cara. Ergueu a espada e golpeou pela brecha. A lâmina disparou consumindo um pescoço gélido. O goblin atingido berrou e sentiu o aço cortar suas veias. O gramado na frente foi pisado pelos goblins como lixo. Os corações pesados dos cavaleiros dispararam com uma arrancada e Morfeu bocejou assustado. Houve mais estampidos no Portão e Morfeu ergueu novamente a espada. Da pequena brecha ele viu a aglomeração de Goblins enfiarem as espadas no Portão. Um grupo enorme batia os ombros no Portão e infelizmente houve um estrondo. A Porta tombou e lascas de madeira romperam na escuridão do salão. Metade da porta rangeu e caiu estrepitosamente. Cavaleiros que se aglomeravam nela morreram e Morfeu encorajado, correu pronto para a luta. Quatros Goblins cercaram-no erguendo grandes cimitarras. Um deles gritou e avançou sobre o rei enfurecido. Os cavaleiros de Morfeu empunharam as espadas e ergueram os escudos, mas Morfeu mandou-os recuar. Segurava a metade da porta, junto com seu pônei e impedia que os Goblins entrassem. Duas das criaturas já tinham caído sob os golpes de sua espada, manchando de sangue o piso; os outros que empurravam o Portão o amaldiçoavam, chamando-o de nojento. Morfeu avançou sobre o terceiro Goblin e com um gemido ele golpeou a cimitarra do inimigo. A cimitarra cinzenta com o impacto do golpe voou pelos ares e caiu nos pés de seus cavaleiros. Não houve como deter a ação dos Goblins. A metade escancarada na porta de carvalho rompeu-se de vez e Morfeu golpeou seis dos Goblins que pararam em sua frente. Os cavaleiros ergueram as espadas e com um grito eles atacaram as criaturas com uma vontade que vinha do próprio Morfeu. Sangue voou ao vento e corpos caíram ali mesmo na frente do Portão desmoronado. Flechas zuniram das torres móveis e as defesas do castelo foram detidas. Morfeu viu os projéteis finos cortarem sua visão. Seus olhos foram feridos. E imediatamente suas presas apareceram na boca; tenso, apertou o punho da espada. O entrechoque das armaduras assustava os Goblins. Os lampejos das espadas foram refletidos numa estátua esculpida na frente do castelo. Várias sentinelas de Morfeu irromperam golpes ao vento e a aglomeração das criaturas cessou. As pernas de Morfeu tremiam, mas ele avançou golpeando às cegas. Quando abriu os olhos diretos para a lua, viu três monstros caírem aos seus pés.
Exércitos de toda parte penetravam-se na cidadela e Morfeu lutava para mantê-los fora do alcance de seus filhos. Sua esperança era saber quais eram seus nomes e nada era mais importante do que isso.
Então os exércitos se chocaram. As lâminas chiavam, as lâminas cortavam, as lâminas penetravam e matavam. Homens corriam, mas eram golpeados quando tentavam subir nas escadas de mármore. A entrada do castelo estava rompida e logo restavam poucos em Magnór com coragem suficiente para se erguer e desafiar os exércitos de Caos. Pois Caos possuía o poder de trazer horror a todos.
Suas forças aumentavam cada vez mais, enquanto o exército de Morfeu ficava paralisado deixando que suas armas caíssem e nesta hora os cavaleiros não pensavam na guerra, mas só em se esconder, rastejar e morrer.

Durante aquela guerra negra, Helena, rainha de Magnór, estava chorando ajoelhada de frente a uma cama mal forrada. Em cima do colchão havia dois bebês lindos; vestiam roupinhas infantis e sorriam ao lado de duas cestas de palha.
Ela puxava do manto azulado duas coisas belas que reluziam sobre a pequena luz de um lampião no chão.
As Esferas, causadoras daquela guerra, estavam em suas mãos. Chorando, entregou-as para seus filhos. Os bebês riram, mas Helena não riu.
– Perdoem-me! – chiou com medo. – Eu estou dando esses presentes valiosos! Pois eu os amo!
Assim, ela apanhou as cestas e colocou os bebês dentro. Cavaleiros fizeram guarda e ela saiu por um túnel estreito. A passagem para os fundos estava perto, mas um lamento feria seu peito. Lágrimas deixavam rastros e um barulho tremendo retumbava às suas costas.

Muito atrás da batalha uma ponte retumbou ao chão. Algo sombrio moveu-se na frente do pônei de Morfeu. Uma torre móvel desceu e as criaturas invadiram o castelo levando equipamentos de guerra. O ataque fora determinado; o Líder daquele grupo esmagou a terra com um pulo negro.
Um elmo negro e achatado horrorizou os olhos de Morfeu e uma voz fria chiou rouca da figura.
– Matem todos os bebês! Matem a rainha Helena! – o Capitão sacou uma espada e sua armadura chiou de repente. – Eu á vi! – parecia ser um monstro, mas não era. Pois dava para se ver que era um vampiro, mas o entrechoque de sua armadura assustou Morfeu.
Bebês eram decepados e vários corpos eram jogados nos precipícios. As mães desfaleciam ao ver os corpos dos filhos serem esmagados e os pais chegavam a desmaiar caindo pelas ruas. As saídas das portas da cidade estavam completamente esgotadas de mortos.
Uma mulher de relance, passou correndo num corredor iluminado por pequenas tochas e o Capitão correu para matá-la, erguendo uma espada gigante. Mas um bastão de ouro bateu leve em suas entranhas. Morfeu ergueu-se no cavalo e bradou numa voz alterada:
– Vou impedir você! – seu manto ergueu-se numa esporeada e encarou o Capitão. – Seja quem for!
– Impedir-me? – caçoou o capitão movendo seu corpo. – Tu és um verme!
A espada zuniu ao vento e a figura estranha golpeou o rosto do pônei de Morfeu. O cavalo recuou pisoteando o chão. Morfeu perdeu os movimentos, mas conseguiu se erguer.
O rei cuspiu no chão e se ergueu. Debruçou-se contra a sela e bufou enfurecido. Esporeou o cavalo e gritou:
– Helena! Não!
Seu pônei saltitante atravessou um mutirão de mortos e seguiu com velocidade atrás do capitão que sumira no túnel.

Na margem do rio os Goblins e o capitão de capa cinzenta, avistavam Helena numa distância pequena. Ela estava apanhando os bebês e colocando-os no colo. Lágrimas escorriam e caíam ao chão.
Morfeu veio galopando numa velocidade alucinante. A espada ao punho estava espetada para cima. Estava desesperado, o seu corpo formigava inteiro. Seus pés nos estribos doíam e sua mente fervia. O pensamento voltou-se apenas na mulher e nos filhos. Já não pensava na cidadela. Olhou para o cavaleiro e assustou-se. Uma armadura cinzenta assomava sobre ela, como um urubu. O bando de Goblins cercou Morfeu guinchando contra ele, escudos e cimitarras negras. A coragem estava fragmentada no rosto do rei.
A coroa cintilou sobre os Goblins e Morfeu avançou sobre as criaturas. Seu pônei branco pisoteou o chão e as criaturas foram esmagadas. Morfeu tentou manter a respiração fria e com a espada empunhada, ele avançou reparando a figura empilhada de armadura mover-se sobre sua mulher e seus filhos.
– Não irá matá-los! – bradou Morfeu, puxando as rédeas para manter seu corpo firme e sua mente fixada em sua mulher.
O Capitão, então, ergueu-se dos choros de Helena e com a face emoldurada a um elmo estranho, ele sorriu. A luva metálica latejava no punho de uma espada enfeitiçada. A criatura respirou e Morfeu sentiu seu coração pesar sobre o chão. Olhou para a couraça do Inimigo e assustou-se. Saía das brechas da armadura algo gosmento. Morfeu coçou os olhos, viu que era uma larva e rapidamente, não se intimidou. A face obscura ergueu um dos dedos para frente e enormes unhas amarelas romperam de uma névoa que se emoldurava à sua capa. O elmo negro respirou sob um ar sujo e a grande capa caiu sobre Morfeu como um raio preto. A mão feia espichou-se para frente como uma espada e uma voz envenenada feriram os ouvidos do rei:
Mimógrafo!
Uma rajada negra saiu do anel que o Capitão usava e cruzou o ar, atingindo Morfeu pela cabeça; seu pônei caiu e ele saltou rodopiando sobre o ar e batendo com força no chão.
– Helena... – sussurrou Morfeu antes de desmaiar.
– Morfeu! – berrou Helena aos gritos. Ela apertou as cestas com carinho nos braços e começou a se desesperar. A tristeza impregnava seu rosto e lágrimas começaram a manchar seus olhos.
– Me dê seus filhos! – vociferou o Capitão, erguendo suas mãos para a mulher extremamente encurralada.
– Não, não, não! – soluçava Helena, entrando em desespero. – Não mate eles, seja piedoso!
– Me dê seus filhos! – repetiu o Capitão, agarrando o pescoço de Helena com firmeza. Sobre o elmo negro o Capitão abriu a boca. Largos dentes afiados escancaram-se da boca. Helena gritou, sentindo as mãos gélidas marcarem seu pescoço.
– Não! – berrou ela desesperada, apertando as cestas entre os braços. – Não vou entregá-los!
– Se ajoelhe Helena! – gritou o Capitão ameaçador.
– Não! – e num suspiro de morte a figura empilhada de aço, abocanhou o pescoço de Helena que simultaneamente começou a espirrar sangue para todos os lados. A mulher ensangüentada e zonza recuou. Agarrou as cestas nos braços e depois as jogou num rio que passava nos fundos do castelo. Seus filhos estavam a salvo. O Capitão ameaçador ergueu uma das mãos e uma luz forte cegou a mulher.
Caputnex! – berrou o Capitão, erguendo um anel brilhante para o alto. Uma rajada negra salpicou aos ares; um rescaldo preto de relâmpago escorreu do anel. Raios fulgurantes e vermelhos estrepitaram no chão e um alvoroço de relâmpagos fulgurantes, pingando faíscas de fogo, embolou-se nas nuvens. Os raios iluminados ficaram serpenteando sem parar. Aquilo tudo tomou forma de uma serpente feia que espirrava raios pelas narinas. A boca não dava para se ver, mas a moça gritou e suplicou pela vida. A cobra envolta de raios, respingando fogo e engolindo raios, abriu a bocarra e deu um golpe para frente. O Capitão empurrou o anel e aquele corpo que tinha oito metros – o rabo como chicote -, se remexeu sacudindo os raios. O vampiro brandiu o anel novamente e a serpente de raios vermelhos e pretos, abocanhou a mulher. Só que esta, não foi engolida. A cobra pareceu soltar um raio da boca. A moça caiu dura no chão, sem dar nenhum gemido se quer. Estava morta. Aquela era a magia da morte.
Num simples gesto bizarro, a cobra feia desapareceu e em seu lugar sobrou fumaça. O Capitão moveu-se ereto e correu até a margem do rio. Sua voz estava grossa e uma nuvem negra pairava sobre sua cabeça.
– MISERÁVEIS! – berrou ele, sentindo seu anel vibrar. E então, fixou o olhar nas cestas erguendo-o numa mira certeira. – Não! – antes que as cestas pudessem se afastar mais ainda, ele traçou um arco cinzento em volta delas. Um feitiço forte e negro tatuou perfeitamente uma marca sombria em cada um dos ombros. Uma maldição chamada a Marca do Lobo...